Versos 153-158

Mas finge que é real: que sente Cúrio, os dois
Cipiões, de Camilo os manes, ou Fabrício,
De Cremera a legião, jovens mortos em Canas
Tantas almas das guerras, sempre que lhes chegam
Vultos assim? Desejam purga, se houver
No enxofre com pinheiro e no úmido loureiro.

sed tu uera puta: Curius quid sentit et ambo
Scipiadae, quid Fabricius manesque Camilli,
quid Cremerae legio et Cannis consumpta iuuentus, 155
tot bellorum animae, quotiens hinc talis ad illos
umbra uenit? cuperent lustrari, si qua darentur
sulpura cum taedis et si foret umida laurus.

Tendo afirmado que ninguém acredita mais nas narrativas sobre o pós-morte da religião romana, Juvenal pede um exercício de imaginação: faz de conta que são histórias reais e os mortos do passado ainda estão em sombras em algum lugar.

A partir disso, começa a invocação dos ancestrais: os nomes arrolados (Cúrios, Cipiões, Fabrício, Camilo, os membros da família Fábia mortos em Cremera, os soldados massacrados na batalha de Canas, durante as guerras púnicas) são todos heróis do passado republicano, alguns até semi-míticos, que são exemplo das virtudes que os romanos chamam de mos maiorum, os costumes dos ancestrais.

Há uma ironia brutal da parte do satirista, pois um dos recursos típicos dos moralistas e dos falsos-moralistas era invocar esses heróis fundadores, encarnação dos valores conservadores dos romanos, como instrumento repressor, mesmo em situações das mais banais. Marcial tem um epigrama (VI, 19) em que um advogado faz exatamente isso diante do juiz (a tradução é a minha, de 2014):

Nem por força ou morte ou por veneno,
Mas é por três cabrinhas meu litígio:
Sumiram, furto de um vizinho, eu clamo.
Isso o juiz deseja que lhe provem:
Tu de Canas, da guerra mitridática,
Da perjúria do púnico furor
E de Sulas, de Mários e de Múcios
Falas com grande voz e toda a mão.
Fala, Póstumo, agora de três cabras.

Non de ui neque caede nec ueneno,
sed lis est mihi de tribus capellis:
uicini queror has abesse furto.
Hoc iudex sibi postulat probari:
tu Cannas Mithridaticumque bellum
et periuria Punici furoris
et Sullas Mariosque Muciosque
magna uoce sonas manuque tota.
Iam dic, Postume, de tribus capellis.

O epigrama demonstra o comportamento que Juvenal aponta como hipócrita.

O satirista tem acuidade epigramática na passagem: se tais heróis vissem figuras como Crético semi-despido ou a noiva-gladiador Graco, iam pedir pra ser purificados, se não fosse além de tudo um contra-senso seres sem corpo pedindo banhos de ervas indisponíveis no mundo inferior.

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