Versos 104-109

Próprio de um grande general é matar Galba
E da pele cuidar, de um cidadão constante
Espólios do Palácio almejar em Bebríaco
E passar cataplasma de pão pelo rosto
Que nem Semíramis de aljava em mundo assírio
Usa, ou triste Cleópatra em seu barco em Ácio.

nimirum summi ducis est occidere Galbam
et curare cutem, summi constantia ciuis 105
Bebriaci campis solium adfectare Palati
et pressum in faciem digitis extendere panem,
quod nec in Assyrio pharetrata Sameramis orbe
maesta nec Actiaca fecit Cleopatra carina.

Nessa passagem, Juvenal se demora na crítica ao comportamento de Otão em relação a seu espelho. É um interessante confronto entre a ideia masculina de imagem, condicionada pelos feitos de general e cidadão, e a ideia feminina de imagem, isto é, a cosmética e os cuidados da pele.

Em Otão, ambos os lados se encontram: foi ele quem venceu o combate em Bebríaco, cidade próxima a Cremona, que levou outro candidato a César, Vitélio, ao suicídio; foi ele quem matou Galba, mais um desses Césares de 69 d.C.; o espelho em que poderia contemplar uma grandeza civil servia para cuidar da pele e passar emplastros na pele. Tal era o efeminamento desses atos que nem mesmo as mulheres governantes proverbialmente lembradas na antiguidade, a babilônica Semíramis e a egípcia Cleópatra, o praticavam. Pelo contrário, são descritas pela sua bravura: Semíramis portando aljava, Cleópatra em um barco de guerra.

É importante refletir quanto o lugar da mulher é manipulado conforme o interesse discursivo do poeta, como já comentamos ao tratar do discurso de Larônia: existem outros relatos da antiguidade que associam essas rainhas a cuidados estéticos extremos (e que não são mais nem menos dignos de crédito que falar sobre sua não-existência), mas aqui, como o alvo da sátira são homens efeminados, explora-se a virtude (até um pouco masculinizada) que se pode associar a elas. Não custa lembrar que a aljava de Semíramis é positiva aqui, mas quando, na sátira 1, a caçadora Mévia se apresenta com uma no circo, esse é um dos motivos para que a sátira seja necessária.

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