Versos 58-63

Sabe-se porque Histro só deixou herança
Pro liberto: é que em vida deu muito à menina.
É rica a que dormir num grande leito a três.
Casa e cala: os segredos dão bons testamentos.
Mas depois sobre nós pesa triste sentença:
Censuras poupam corvos e incomodam pombos.'

notum est cur solo tabulas inpleuerit Hister
liberto, dederit uiuus cur multa puellae.
diues erit magno quae dormit tertia lecto. 60
tu nube atque tace: donant arcana cylindros.
de nobis post haec tristis sententia fertur:
dat ueniam coruis, uexat censura columbas.'

Aqui, chegamos finalmente à peroração de Larônia. Refere-se uma anedota nos versos 58-60 que é sumarizada no verso seguinte. Histro, personagem desconhecida, lega coisas ao liberto após a morte pois já havia dado à menina mais do que o que devia, em vida. O leitor fica no escuro, se não inferir por meio dos versos seguintes: a menina seria a esposa de fachada, que encobre as reais preferências do marido, e seu silêncio foi comprado com uma herança farta. Não por acaso será chamada de menina, não matrona: sem iniciação sexual, continua sendo virgem muito além do casamento. Daí a ironia do termo, que também é usado na poesia erótica para indicar a amada - nem um pouco inexperiente, deve-se dizer.

Assim, portanto, deveria causar estranheza o comportamento de Histro, que abandona a esposa após a morte. Mas não causa: sabe-se que ela foi ricamente indenizada com um testamento.

Por fim, é de se notar que, sendo discurso, oratio, a fala de Larônia termina concentrando toda a argumentação em uma frase de efeito, uma sententia. Que eu adoro, abusando da metáfora. Fale-se às claras para os desatentos: as mulheres são pombos, os homens são corvos. Ainda, lembrando o viés político que eu insisto em ver aqui, Júlia, tão agredida pela multidão, é inocente; culpado é o imperador Domiciano. Ou melhor, que é o grande benefício da metáfora, as duas afirmações funcionam juntas.

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