Versos 34-40

Não é com mérito e direito que esse vício
Despreza o falso Escauro e morde quem corrige?
Deles Larônia não arranca um certo bravo
Que só grita: "Cadê a Lei Júlia agora? Dorme?"
E ri por baixo assim: "bons tempos que te opõem
Aos costumes. Que Roma tenha já pudor
E um terceiro Catão caia do céu. Mas aonde

nonne igitur iure ac merito vitia ultima fictos
contemnunt Scauros et castigata remordent? 35
Non tulit ex illis torvum Laronia quendam
clamantem totiens ‘ubi nunc, lex Iulia? dormis?’
atque ita subridens: ‘felicia tempora, quae te
moribus opponunt. habeat iam Roma pudorem,
tertius e caelo cecidit Cato. sed tamen unde 40

Aqui tropeçamos novamente numa passagem trabalhosa, em grande medida pela dificuldade de compreensão sobre a personagem referida. Escauro é um nome que nos remete a um político do século I a.C., defendido por Cícero (e, portanto, muito plausível em nosso rol de viciosos) de uma acusação de extorsão durante o governo de uma província. O verso, contudo, ficaria confuso, já que falso Escauro é o hipócrita que julga a conduta sexual alheia. Bastaria portanto ser um Escauro verdadeiro.

Uma investigação mais detida encontra outro Escauro, pai ou avô daquele, que fez carreira no fim do século II a.C., tendo, entre outras coisas, exercido o cargo de Censor e desfilado em triunfo por suas vitórias militares. Esse seria o tipo de herói que os falsos-filósofos imitariam na superfície.

Os vícios, portanto, de Peribômios e Varilos desprezam e mordem de volta os hipócritas que os criticam.

No verso 36, começa uma nova seção do texto. Uma nova personsgem é introduzida, e essa vai assumir o discurso. Larônia é nome inventado e caracteriza uma personagem feminina e popular, duplamente desfavorecida portanto, mas que é capaz de discernir melhor a moral apropriada do que os homens de alta classe que são alvo da sátira. O procedimento de dar voz a mulher do povo contra o homem da elite imita a sátira 4 de Pérsio.

Larônia vai identificar seu opositor em meio à turba seguindo o preceito de Gregório:

Quem menos falar pode, mais se increpa.

De fato, o pequeno trecho de discurso direto do verso 37 não é voz dela, mas dele. A Lei Júlia invocada é a lei de coerção do adultério promulgada cerca de um século antes por Augusto e reproposta por Domiciano, ainda que o imperador, como vimos, seja criativo em fraudá-la.

A longa fala de Larônia começa no verso 38. Seu início pareceria sério, se já não soubéssemos que ela está sufocando o riso. As frases iniciais seguem pelo lugar-comum do discurso retórico oficial, que tem obsessão por colocar o governante como restaurador de hábitos veneráveis dos antigos. Roma estaria combatendo seus vícios e já via florecer um novo Catão. Seria o terceiro pois houve outros dois, nos séculos II e I a.C., estimados como donos da mais rígida moral.


No entanto, o discurso vai ter reviravolta, como vemos pela adversativa no fim do verso 40. Mas disso trataremos no próximo trecho. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Versos 82-92

Versos 1-13